Um dia, a miséria instalou-se em casa de um pobre homem. Apareceu-lhe sob o aspecto de uma rapariguinha de pés descalços. Depois de entrar, não mais quis deixar a sua nova morada. A vida do homem já não lhe corria bem e passou a correr pior. Suplicou à rapariga que fosse embora, para casa de pessoas mais ricas. Ao que a rapariga respondeu que, se ele lhe desse um par de sapatos, talvez ela pensasse em ir embora.
O homem poupou o mais que pôde e conseguiu comprar-lhe um par de sapatos. Mas, quando chegou o momento de os oferecer à rapariga, deu-se conta de que o tamanho era demasiado pequeno. Voltou a trabalhar afincadamente, a fim de lhe comprar um novo par. Mas os novos sapatos eram ainda mais pequenos. O homem privou-se de tudo quanto necessitava, mas acabou, finalmente, por comprar o par de sapatos maior do mercado. Contudo, nem estes serviam à rapariga…
Então, o homem deu-se conta de quanto mais empobrecia para calçar a sua miséria, mais ela crescia. Os seus pés seriam sempre demasiado grandes. Decidiu, pois, cessar os seus esforços. Desembaraçou-se de tudo e aprendeu a viver de nada… E, desarmada por este homem que tinha encontrado coragem de a albergar, a miséria acabou por fugir, tão contrariada e privada de tudo se encontrava.
Por muito fazer e muito ambicionar,
Alimentamos a nossa miséria.
Mais vale nada querer
E feliz viver.
Jean-Jacques Fdida
La naissance de la nuit et autres contes du monde entier
Paris, Didier Jeunesse, 2006
tradução e adaptação