Saramago.
Escrevo só hoje sobre o falecimento de José Saramago, porque assim deixei acalmar o intenso pó que foi levantado com o desaparecimento corpóreo deste grande escritor. Mas não morreu, é bom que todas as pessoas se recordem disso. Ele vai continuar bem vivo. Mas falava do pó, porque a nossa cultura teima em repetir-se, séculos atrás de séculos, ou seja, só quando uma pessoa morre, é que vem todos de pompa e circunstancia, gritar aos sete mundos, ou colinas, o quanto conheciam ou admiravam tal pessoa. E vem aqueles que se aproveitam do sucedido, para reclamarem qual demanda lusitana de eterna defesa da obra e do pensamento de Saramago. E no meio disto tudo, ainda se discute a ausência do Presidente da Republica, que deu uma bela de uma desculpa ( enfim), e aproveita-se para mais uma dúzia de farpas. E já não falo dos eternos críticos à sua opção de viver em Lanzarote, esses que seriam os primeiros a abandonarem Portugal, se pudessem, enfim, vazios. Mas, já agora, alguém sabe qual seria a vontade de um homem, que cresceu na humildade da desgraça, que viveu criando o sue caminho árduo, que foi escorraçado, mas que sempre acreditou, um homem que sabia qual a face da verdade, que sem medo enfrentou todos os monstros de Quixote, que foi mal amado no seu pais, até ao dia em que numa bela manhã ( ou não), um titulo, um prémio que o reconhecia como escritor mundial, eterno, o colocou no pedestal da casa daqueles que hipocritamente o tinham escorraçado. E hoje, depois de falecido, como sempre, fazem jus à sua obra.
Somos assim mesmo. Mesquinhos. Pequenos. Eternamente minúsculos. O pensamento lusitano perdeu-se nas eras da história, ficou enterrado nos cemitérios do esquecimento.
Sabem o que a Ditadura fazia para desviar os olhares das populações, dos problemas do pais? Propaganda. Benfica. Fado. Fátima. E hoje, o que temos? Futebol. Papa. E os fait-divers do falecimento de um grande homem. Então, não estaremos numa ditadura? E se sim, o que fazem? O que pensam e como demonstram esse pensamento?
Pois, termino as minhas reflexões sobre Portugal, com um poema a esse homem, que continua vivo, goste-se ou não dele, mas ele está bem vivo. A ti, Saramago:
Qual cavalo que rasga o vento
Quais asas que contrariam o céu
Qual gota que inverte a corrente
Qual raiz que contrasta a terra sem véu
És pedaço de universo sem fim
És oceano sem chão, sem beira de água
És a estrada que colide no horizonte
A chama que se desmembra do fogo sem dono
Tens o dom no branco de um papel
A virtude na palavra de um final
Mas mesmo que feches o que nunca se abriu
Serás sempre o desfolhar das páginas do utópico
Teimosas frases que lubrificam o que ainda será pensado.
Fica, como sempre estiveste, na ironia de um sorriso
Essa verdade que te estamparam no fóssil olhar de um futuro
A ti, meu bom homem, que cresceste como flor que procura o seu sol.
Até breve, sempre ou mesmo já, nas palavras ou no gosto do silencio.