Penso num mundo perfeito. Vejo um sitio onde com o nascer do sol vêm os sorrisos das pessoas, que se abraçam num ritual perfeito de alegria por se verem em mais uma manhã. É o nascer de um dia onde os cheiros são misturas químicas do verde da erva com o das flores que abrem o seu leito à alvorada soalheira. Vejo as árvores erguerem-se nos céus, com os seus galhos majestosos, cúmplices de uma magnitude onde o poder do brilho da sua folhagem nos impele para uma agradável sombra de serenidade. Vejo as crianças saírem de suas casas, com a vontade de gritarem pela felicidade que as invade, absorvendo as mãos sentidas dos seus pais a guiarem-nos pelo prado, verdejante, onde as estradas foram substituídas um feno sedoso, os carros por bicicletas que trespassam a finura das plantas e as abanam numa dança acompanhada pelo som doce das gargalhadas de todos. Vejo o céu pintado do mais belo azul, onde as únicas nuvens são as que amam esse céu. As fábricas foram demolidas, jogadas no fundo de um buraco que tem um placar no topo dizendo:”Que não se repita de novo”. Os animais vagueiam pelas terras, com a liberdade no olhar. As aves cortam o ar com os seus vôos acrobáticos e os seus cânticos enriquecem os cantos do mundo. São melodias que pintam as cores primaveris deste mundo e que o tornam cada vez mais perfeito. Vejo as pessoas a comerem o que a terra lhes proporciona, vejo as armas transformadas em utensílios para desbravar os terrenos, onde se deitam as sementes para novas florestas, novos bosques. As casas são apenas pequenas cabanas construídas entre as rochas que derivam pelos fundos do mundo. Os prédios foram substituídos por longas fileiras de castanheiros, sobreiros, azinheiras e outras espécies que dão mais oxigênio aos fortes pulmões da pequenada, que corre, salta, joga com uma bola feita de uns farrapos de pano. As pessoas despedem-se sempre com uma alegre expressão de prazer por verem o outro, o próximo que os aborda. Saúdam a existência de todos com a felicidade estampada nos rostos. A noite chega sempre com uma enorme fogueira onde as gentes se reúnem, todas, com a partilha do pouco muito que tem. A natureza vem ter com elas, e as cantigas fazem as árvores dançarem, abraçadas no vento. Ouvem-se histórias para dormir, idosos sábios que recebem um beijo ternurento dos mais novos, que os admiram, como Deuses conhecedores da sabia forma de viver. Todos se deitam num circulo, sinal quase absoluto de um mundo perfeito.
Mas ao acordar, vejo-me entre o barulho de balas que voam no sentido do meu corpo. Sinto o embater de um pulso que me corta o peito, desfazendo-lhe os sonhos. É o sangue que espirra no ar e me colhe a respiração. Vejo o ódio chegar no corpo de outro que me lança mais uma bala na cabeça, onde por ultimo consigo ver o mundo lá fora, rodeado por fábricas de armamento, estradas entupidas de carros que afugentam o verde dos campos, e este ódio que guerreia as mentes pervertidas do homem, esse ser arrogante que pensa ser dono do que o rodeia... e morro, de volta ao sonho, a esse sitio onde prefiro o apagar deste corpo para abraçar a visão perfeita de um local onde tudo podia, um dia, ter sido mesmo perfeito...