podes pensar, podes falar, mas tudo o que escrevas tem o poder de ficar.
28 de Agosto de 2015

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Todos os dias repete o ritual de sentar-se em frente ao rio. A baía é desenhada por paredões de barcos antigos, perdidos num tempo longínquo, e morros de madeira, antigos locais de desembarques. A água vem e vai pelas marés. O sol quando faz companhia realça os brilhos da corrente. O passadiço, como sempre, preenchido pelos que correm, caminham ou se perdem nas horas, esperando que a vida lhes traga respostas. Os bancos dos jardins estão vazios. Já morreram os velhos que por ali paravam a contar as estórias antepassadas. Eram longas voltas ao relógio de tabus e mitos que o rio vestia em si. Eram monstros que nunca viveram, tempestades que nunca começaram, pescarias que nunca aconteceram. Mas contavam para quem passava, e quem passava parava para escutar. Ela senta-se na mesma cadeira, com a mesma mesa, e faz o mesmo pedido, um café e um copo de água. Se aquele lugar estiver ocupado, dá sempre umas voltas até ele vagar. E depois fica ali a olhar o rio. Mexe e remexe os dedos, tentando ocupar-se por fora. Dentro tem sempre os pensamentos perdidos nas histórias passadas. Sente apertos no coração, uma mão do seu pensar que lhe invade o peito e estrangula o sentir. Algumas horas após, pede mais um café e sempre com a companhia de um copo de água. Nunca a bebe. Os copos acumulam-se na mesa. No fim, antes de pagar, enche uma garrafa de plástico que traz. Para as plantas. Coisas de quem precisa ocupar as entranhas que lhe sobem pelas costas e atormentam a cabeça. Mas naquele dia, algo brotou de diferença. Um papel amarrotado havia sido largado na mesa pelo anterior cliente. Estava escrito. Ela ainda tentou alcançá-lo, mas em vão. Guardou-o. Ficou com ele no regaço. Procurou resistir à tentação de ler. Olhava e voltava a olhar e nada. Mantinha-o no mesmo sítio. Mas a curiosidade é sempre um inimigo da descrição. E após o quarto café, já com o corpo num tremor de cafeína, resolveu ler o papel. A escrita era corrida, deitada e com algumas palavras mal entendidas. Mas foi lendo e reparando numa promessa de amor. Sempre fiquei aqui, esperando que chegasses. Sei o lugar onde te sentas, a forma como te sentas. O olhar, o movimento dos teus braços, dos teus lábios, os teus pedidos constantes do mesmo. Sei que vens à procura de nada, e com nada sais. Como eu. Fico na sombra, vendo o teu corpo de princesa, sentindo o cheiro que o vento me traz da tua pele, os teus cabelos. Sinto que estás triste e como eu gostava de romper com esse teu tristonho olhar e dar-lhe um sorriso. Sinto o calor do teu coração, a força do teu sangue. Quero tanto poder amar-te, mas também não encontro a forma de te falar. Não te conheço por nome, mas amava saber soletrá-lo. Gostava de me sentar todos os dias contigo e olharmos o rio, que corre como o fluido deste meu sentir. Gostava de ficar em silêncio contigo, sentindo a tua mão na minha e pensar que afinal a vida não existe assim tão sozinha. Ficou amedrontada. Corou mesmo. Olhou em volta. Sentiu que o rubor lhe escapava e os pulos do coração se tornavam sem medida. Não conseguia reter um pensamento que fosse. Perdida em possibilidades, centrava-se na carta, nas palavras, na descrição de ser ela aquela que era amada sem saber. Quando chegou a casa, reteve-se horas a fio na leitura e novas leituras daquele pedaço. Queria esquecer o que lera, mas ficava cada vez mais presa à ideia de estar amada. Voltou no dia seguinte. Mais cedo. No mesmo lugar, ninguém. Aliás, ninguém naquela esplanada. Esperou dias e dias a fio. O mesmo. Ninguém. Foi ficando enterrada na ideia de perda. Perdera alguém, o amor, a oportunidade de ser amada, de sentir-se mulher, de ter o toque leviano de um homem, dentro e fora de si. Chorava por dentro e por fora quando se retirava para casa. E os anos passaram. Ainda hoje volta sempre ao mesmo lugar. O rio continua ali, onde os barcos vão ficando no abandono, e os paredões de madeira desfeitos. As pessoas que correm e caminham vão mudando, e os bancos de jardim vazios. Tão vazios que são retirados pela velhice. E o café após café. Os copos de água que vão enchendo a garrafa. E os sentimentos foram envelhecendo, os pensamentos ficando mais atrofiados e o corpo mais enrugado. Posso-me sentar? Desculpe? Perguntava se me podia sentar? Mas...eu conheço-o? Não. Mas eu conheço-a. Faz alguns anos. De onde? Daqui. Deste lugar. Há muito tempo que a observo, ali de trás, de onde a sombra me encobre. Nunca consegui a coragem de lhe falar. Mas hoje, quando a vida parece escapar, para que serve o receio de me dirigir a si? Nada. E não quero-me sentir morto sem levar o seu nome. Ana.

publicado por opoderdapalavra às 11:57
26 de Agosto de 2015

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Cheguei com as primeiras lágrimas. Era tímidas, sem grandes nuances nem discernimentos. Apenas caiam, suave e docemente. Percebo não serem das que derramam tristeza. Eram de quem recebe, de sorriso nos lábios, os que chegam. Abençoava-nos e como que numa conversa sem palavras, dizia-nos para entrarmos e nos instalarmos. Tendas, sacos camas, grades de cerveja, brilho no olhar, vontade de sorrir e gritar pela diversão, esquecer que lá fora existe mundo, um mundo em que tudo é controlado e regulamentado. Um espírito que unia as pessoas por um só propósito, a música. A liberdade da música. Assim cheguei. Tudo pronto e arrumado, até certas ideias que trazia e estavam por guardar nas gavetas do esquecimento. E fiquei sentado, olhando e percebendo que o céu torna-se diferente daqui, as árvores parecem que nunca as vi assim, os cheiros nunca os senti por esta fragrância, até mesmo o leito de um rio era diferente. As pessoas sorriam, diziam coisas giras, ouvia-se cumprimentos especiais. Chegou o sol. Chegaram as músicas, os grupos, os concertos, uns mini, outros mais do isso. E chegaram os banhos na água que repelem qualquer toxina mais afoita. Chegaram as refeições de sabor campestre, os pequenos almoços sem horas, os jantares contados pelos horários dos concertos. E chegou aquele momento em que me vejo perante um sítio único. O ambiente, as luzes, a multidão, a sonoridade, a descoberta. O impacto adjectivou-se tanto que fiquei perdido em textos sem limites de páginas. Pode-se escutar histórias daqui, ver-se imagens daqui, reportagens nas nossas imaginações que apagam todas as expectativas...mas tenho uma voz de dizer: que se lixem as ideias pré-concebidas, Paredes de Coura ou se vive ou então tudo é apenas uma mera mescla de mais padrões. Ou se vem a Paredes ou se fica com mais um saco vazio dentro da alma. Paredes é o festival dos festivais. Descobri grupos, músicas, relações de amizade, pessoas que não se limitam pela idade, sons que não morrem com o tempo, artistas autistas, público que se recolhe na sua solidão, gente que curte o seu lugar, lugares que curtem ter esta multidão. Vou como cheguei. Abraçado pelas lágrimas do mundo. Elas voltaram para dizer um adeus, agora tristonho. Queixa-se que o tempo passa num frenesim, mas fica já o desejo que assim seja, para que depressa possa voltar a receber as tribos que tanto a acarinham. Este mundo é diferente de todos os outros. Levo um coração este lugar. Levo no coração esta terra, esta gente, estes momentos. Grato.

publicado por opoderdapalavra às 10:52
17 de Agosto de 2015

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Naquela noite não existiam pirilampos. A escuridão abraçava as árvores, os recantos do vale, o lago, e até os sons dos sapos. Tudo se apagara. Um qual deus desligara o interruptor, e tudo era entregue ao mais fino preto, liso e aterrador. Caminhava sem sentir o que pisava. Andava deambulando entre relva húmida e talvez ( ainda penso em talvez pelo desconhecimento) uma mistura de lama com laivos de charcos. Sentia que estava perdida. Sentia-me penetrada pelo medo assustado ele também de sentir terror. Foi quando escutei a sua voz. Chegou-me do silêncio. Trazia pontos de calma e suavidade. Assim como as suas mãos quando me tocaram. Agarrou-me os braços. Levou-me até ele. Rendi-me desde logo. Fui fácil presa daquele lábios. Encontraram os meus com facilidade. A sua língua envolveu-se num encontro a dois, com a minha. Dançaram, deslizando todo os contornos salivares. O corpo sentiu-se apanhado por um súbito desejo. Os olhos fechados já não viam a escuridão. Agora apenas observavam os arrepios que a pele mostrava. De mão esquerda em riste, chegou-me à ponta do vestido. Entrou de rompante, sem bater nem se anunciar. Subiu em escada e chegou-me ao íntimo. Desceu a língua ao pescoço e sussurrou-lhe mimos. Os dedos humedeciam e faziam humedecer. Os cabelos já se afastavam para que os lábios percorrem-se todos os recantos de pele. Os seios cresciam. As mãos estava, inertes na ponta dos meus braços. Não sabia o que fazer com elas. Mas ainda tive a força de lhe tocar. Estava forte, de rosto firme e erecto. Peguei-o e rocei-o em toda a palma. Ele contorceu-se e chegou-se ainda mais perto. Puxou-me as intimidades para baixo e fiquei despida de dentro. Eu abri-lhe as calças. Ele colou-se em mim e entrou. De pernas cruzadas nas suas costas, apoiei-me fielmente. Beijou-me pela noite. Rompeu-me pela noite. Rebentou com todos os meus preceitos de mulher cuidada. Na noite mais escura que o próprio medo. Sem pedir palavras. Apenas restos de intimidades fortuitas. Assim gemi prazerosas horas. Assim chegou a manhã. Sem que os pirilampos chegassem. Ficaram longe, onde talvez ( e mantenho ainda o talvez) os íntimos não se tocam.

publicado por opoderdapalavra às 00:51
11 de Agosto de 2015

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Nome? Não me lembro. Idade? Não me recordo. Morada? Não tenho ideia. Do que se lembra? De um sol que nascia. De um vento que subia e de um odor que penetrava no peito. Alguém por perto? Talvez. Alguém sim, aproximava-se puxadores um cavalo leve, de passadas estreitas e direitas. Trazia um chapéu de abas largas. Camponês. Velha barba, olhos claros e uma voz de rompante. Nem lhe pergunto se recorda o nome? Mas porque precisa tanto de um nome? Para o registo. Um nome é uma identificação. E esta é uma pessoa. Todos temos um nome. Mas precisam disso para serem alguém? Então, como sabíamos que você é você e o camponês é o camponês? Pela textura, pela fragrância, pela verdade de cada um. Isso é muito poético. A vida não é poesia. Ela só existe nas palavras. E um nome não é uma mera palavra? Sim, mas identifica. O resto não. O seu cabelo é branco. Sim. Isso identifica-o. E não sei o seu nome. Para mim é o homem polícia de cabelos brancos. (Silêncio) Mas vamos ao que interessa. Falava-me do camponês. Sim. Conversou com ele. Sim. E o que falaram? Não sei. Mas, também não se recorda? Recordo-me sim. Mau. Então como não sabe o que falou com ele se recorda o que conversaram? A conversa foi atempada. Alertou-me para as pessoas que se aproximavam. O casamento. Os carros que vinham e, velocidade atroz, sem medida. Os apitos estridentes. A confusão instalada. Puxou-me para junto de si. Ali passavam todos aperaltados. Via-os de sorrisos abertos, ou de caras fechadas. Carros de alegria e outros de tristeza. Como poderia um casamento ter tanto de dois mundos? Foi essa pergunta que lhe coloquei. Ele olhou-me e colocou-me a mão no ombro esquerdo. "A felicidade não é uma divisão de dois. É a soma dos dois." Interessante. Quanta matéria sabia proferiam aqueles lábios. De seguida fui atrás até à igreja. E ele veio também. Entramos. Todos cantavam. Batiam palmas. Ao fundo um homem vestia cinza claro é uma mulher branco pérola. Um outro homem de batina dividia-os em metades. Sentamo-nos. "Que belo quadro." Ele nem mexeu as retinas. Manteve-as na linha recta do fundo da igreja. Mas falou. "Hoje casam. Amanhã descasam. São meros sentimentos descartáveis. Nada mais. Hoje beijam-se e amanhã atiram à cara um do outro, quantidades de julgamentos, culpas, egos feridos. São horas de céu azul que ficam arrebatadas por horas de chuva intensa. Tudo o que prometem não cumprem. Tudo o que dizem ser fiéis, são apenas infiéis. E sabe porque?" Eu acenei com um não. Reparei que ele nem viu, mantendo aqueles olhos saídos na mesma linha que nunca deixou de traçar no seu horizonte. "Porque as pessoas não conseguem abandonar as suas idiotices. O orgulho, o passado, as mentiras que se contam para se amarem a eles próprios, os traumas que lêem e relêem para se sentirem eternamente vítimas de fantasmas. E andam cegas com este lixo. E depois...depois o amor surge. Ficam radiantes. Gratos. Riem desesperadamente, como se o amanhã nem existisse. Mas esquecem-se da idiotice. A mesma que no dia seguinte lhes alerta para a desconfiança, para a necessidade que possuir o outro. E esquece-se a pureza, o sentimento que nasceu como água na nascente. Fica apenas um rio de caprichos. Nada mais. E exige-se ao outro que alimente todos os caprichos, senão é acusado de não amar." E levantou-se. "Mas então, se o amor é isso, porque se ama?" Olhou-me por uma última vez." Porque não se ama. Apega-se a uma falsa ideia de pensar-se ser feliz. Já lhe disse. Felicidade não é a subtração do sorriso com a lágrima. É a soma dos dois." E saiu. Mas não voltou a vê-lo? Não. E depois aconteceu o inesperado? Sim. Conte-me. Eu fui na direcção dos noivos. E quando cheguei perto deles, segredei-lhes o que acabara de escutar. Eles chocados começaram a trocarem-se de razões. Pelos vistos tinham muitas conversas por terminar. E tudo ficou numa zanga desmedida. Sai de soslaio. Mas fui apanhado por um familiar que me repreendeu e apontou-me as culpas. E tem culpas? Porque tenho de ter? Porque é que tudo o que se faz sem se saber tem de ser um mero conceito de nome? Como é que chamam a isso... Erro? Sim, isso. Vê. Precisam de um nome para tudo. Porque não sentem apenas que é viver? (Mais silêncio) Viver é apenas tudo. Na verdade, sabe, quando criei tudo isto eu só queria que vocês soubessem que não precisam de nomes para se sentirem alguém. Apenas precisam de viver. E o resto é uma soma de tudo.

publicado por opoderdapalavra às 01:51
03 de Agosto de 2015

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Chegou mais um verão. Aqueles dias em que se acorda com o vento de sul e adormece-se com a brisa de norte. Sente-se o sol bem perto, quase tocando o rosto, qualquer beijo que chega em silêncio e fica. Dias a fio sem nada para fazer, ou procurar fazer o que nunca se fez. Horas em que inundo o meu mundo com um olhar sobranceiro, patrão de um quarto recheado por livros descascados pelo estudo; CDs de Led Zeppelin, Doors, Tom Waits e outros que lhe perdi o nome; pedaços de bolachas esmagadas no chão; uma janela que me separa da rua, corrida desde o cruzamento com a nacional até à casa do senhor de calças longas que passeia sempre o cão pela manhã. Aqui sou dono, sou chefe e rei. Aqui ninguém me chateia, chama-me à atenção sobre as minhas birras, embirra com as minhas parvoíces, torna-se parvo com as minhas tonteiras, fica tonto com as minhas palermices, palerma com o meu silêncio. E com mais um verão, chegam as férias com o pai. Longe daqui, deste meu reino despontado de uma vontade de ficar fechado entre fronteiras. Lá fora o carro da mãe espera-me. Mais uma viagem, tantas que já foram. E depois...depois mais um sorriso forçado dele. Parece que nunca me viu. Finge dizer que me ama. Fica em espanto leviano nas palavras - estás tão diferente, como crescestes - sim, crescer faz parte de mim, como já fez de ti. Infelizmente parece que os adultos perdem essa noção, de crescerem. Por isso obrigam-nos a fazê-lo, como se fosse uma forma de se recusarem à admissão de o fazer. Porque se esquecem do que já foram? De quem já foram? Porque querem que cresçamos, que sejamos adultos, se eles estão sempre a lamentar lhes ter acontecido a pior das verdades, ficarem mais velhos? Já estou a chegar, a mãe continua em recomendações infinitas, como que gravadas em todos os anos. Parece que tem uma cassete naquele pensamento. Não consegue parar, mesmo que eu tivesse um stop para carregar. Olho a estrada, quase já decorei o número de tracejados que tem. 234 pontos de luz. Isso já consegui o ano passado, em mais um verão que foi seco e árido, na mesma casa de sempre. Onde hoje me aguardam. Com a mesma bola de futebol. Mais logo faço-a explodir contra uns pregos sempre soltos num dos cantos da cerca. E depois, pena foi a perda, mas para o ano volto a ter uma igual. Afinal o castigo apenas dura um ano. É pouco. Pouco para o que tenho de carregar desde que eles se separaram. Era noite. Desci as escadas com pouco peso nos passos. Eles discutiam, mais uma vez entre tantas. Ela chorava como sempre. Ele tinha a voz mais grossa. Diziam disparates atrás de disparates. Isto não pode continuar, já não aguento. Pois, como sempre nunca tens outras soluções. Segues sempre o caminho mais fácil. Pensas que é fácil? Achas? Estou cansado, tu já nem consegues disfarçar. Pelo nosso filho até. Ele chora todas as noites, e tu? O que fazes? Sais e voltas tarde. Eu fico sempre aqui, com ele. Sempre eu. Sim, sempre tu. Sempre foste tu que saíste. Eu fiquei sempre aqui sozinha. Este é o meu lugar... Não te facas de vítima. Não consegues destroçar o meu coração. Estou farto. Sim, vai embora e deixa-me. Vai para onde te compreendem, não é? Tudo terminava sempre da mesma maneira. Uma porta a bater forte. Aquele bafo com que a madeira bate no contorno de alumínio deixava sempre a sensação de fim. Mas voltava sempre. Mas naquela noite não regressou. Foi de vez. Até chegarem os verões. E com eles, as minhas viagens. Nunca nenhum me explicou. Só escutava falarem de mim, numa guerra de razões, mas nunca me disseram porque é que eu tinha de ser uma das razões. Para ficar e para partir. Nunca pedi para o ser. Apenas queria que me deixassem ser eu. Mais nada. Sem ser um estrapilho indesejado que tardava em deixar de ser fardo. E agora cada um tem alguém mais. Mais uma pessoa que me trata como o puto, aquele que fica sempre com os restos das culpas. O que não pode falar, porque nunca tem razões para o fazer. O que nunca se porta bem, porque afinal ainda não cresceu. O que fica sempre nos finais dos programas, sem ser escolha para nenhum deles. Fico como esterco acabado de ser defecado e por porra nenhuma, sem explicações. Sem saber o que é isso de ser filho separado, ser divisível nas contas, nas subtrações de mais contas e nas adições de problemas. Tenho de esperar. Aguardar que os verões me tragam o crescimento, o velho conceito dos adultos, para me tornar num deles. Mais um que se esquecerá, de quem foi, o que foi e como foi. E depois o mesmo. Traumas, coisas mal resolvidas, assuntos mal fechados, personalidade difícil, relações complicadas, talvez mais um separado, complexos amorosos e outros tantos, e uma resma de horas, dias e meses, afundado nas ruínas da minha infância. Enfim, afinal tudo se resume à derrota do meu reino. E tudo porque nunca quiseram explicar-me porque é que naquelas longas noites, eu era sempre o tema central? Meu Deus, como cresceste. Cheguei. Mais um verão. Vamos lá a isto.

publicado por opoderdapalavra às 23:10
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Grata, sorrisos :o)
Quente.Arrebatador.
Leitura muito agradável :)Convido a leitura do meu...
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