(...) O escritor tem de deixar escorregar a sua caneta, gastar a sua imaginação e deixar-se ficar à parte da história. Um escritor não pode ser parte da história. Cada história tem a sua própria personalidade, autónoma e livre. Escrever é um acto de fecundação. É uma folha que nos deseja. É o tempo em que o corpo imaginativo do autor se desfaz no sexo daquela folha, nua, muitas vezes virgem ainda. É aí que o escritor a penetra com suavidade ou com a astucia, até ferozmente, sem nenhuma educação ou até, muitas vezes, com muito respeito. Depois de a semente ser colocada, vem o período de gestação, o montar do corpo da história, que se vai transformando de pequena célula num conjunto de membros, de braços, pernas, olhos que vêem, boca que fala, ouvidos que ouvem, cheiros que se alastram. E acontece o parto. Nesse preciso momento, o escritor deixou de ser, de existir. A história continua. Parte, e o escritor, cortejando a janela da sala onde a escreveu, olha o horizonte, melancolicamente. Fecha os olhos, recosta-se no silêncio e adormece, descansando. A história toma o rumo de um filho acabado de ser criado. Ela agora é do leitor. Escrever é uma aventura de criação, educação de um filho, e depois deixá-lo ir, para ser enamorado por todos aqueles que se apaixonarem pela história.