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Hoje faço 12 anos, e não estou feliz.
Porque?
Porque o meu pai morreu há 12 anos, nesta precisa data.
Eu cresci e vou continuar a crescer sem pai.
Contaram-me que uns homens maus, que não gostam das outras pessoas o mataram, a ele e a muitos iguais. Não percebo nada. Porque o fizeram?
Eu apenas conheço o meu pai pelas fotos. Ele está sempre a sorrir. Nunca conheci o meu pai triste. Nunca vi o meu pai chateado. Nunca soube o que era um ralhete dele, pois eu sempre que o olho, na foto que está na minha mesa-de-cabeceira, ele está a sorrir.
A minha tia Rose diz que ele está no céu, e eu olho todos os dias para esse céu, mas não o vejo.
Depois já me disseram que ele está com Deus. Mas porque é que ele está com outra pessoa e não comigo? Eu é que sou o seu filho e eu é que tenho saudades dele. Mas há dias li que saudades são sensações que sentimos quando não vemos alguém de quem gostamos. Eu apenas vi o meu pai numa foto, e sempre gostei dele.
Eu nunca passei um Natal com o meu pai. Apenas com a sua foto, que a sorrir, a coloco por cima da lareira, assim ele nunca terá frio.
Nunca o meu pai me levou à escola, e nunca o ouvi a contar-me uma história de dormir, como os outros meus amigos, que tem o pai deles fora da foto.
Mas sei que ele era uma pessoa feliz, porque em todas as fotos ele está sempre a sorrir.
Se ele era feliz, porque é que os homens maus vieram e o mataram?
E porque é que existem pessoas más?
A professora diz que todos somos iguais. Então se o meu pai era uma pessoa boa e está sempre a sorrir, porque é que existem pessoas que não estão a sorrir e fazem mal aos outros?
Não percebo nada das conversas do meu avô. Ele fala nos políticos, que vejo muitas vezes na Tv. Fala também muito de outro que tem um nome estranho, que um dia vi uma foto dele. Um que tinha umas roupas diferentes das minhas, com um lençol enrolado na cabeça, mas nessa foto ele também estava a sorrir e o meu avô diz que ele é o chefe dos maus. Mas se ele é o mau, porque é que sorri como o meu pai?
O meu avô fala numa guerra. Num país distante. Muito longe mesmo. Ele já me mostrou no globo que tenho no quarto, e fica mesmo muito longe essa guerra. Eu continuo a dizer-lhe que não quero saber disso, dessas coisas más, de pessoas que dizem sempre isto e aquilo, ou o que é o melhor para todos nós, e que por vezes precisamos de morrer para conseguirmos ser livres.
Mas eu só quero o meu pai de volta.
Não quero saber sobre a conversa do senhor Bush ou do senhor Obama, que aparece muitas vezes na Tv, a sorrir e a falar sobre aquelas palavras estranhas que o meu avô também diz muitas vezes, o “orgulho americano”.
Tenho um colega na escola que o seu pai também tem uma espécie de lençol na cabeça e veste todos aqueles trapos estranhos. Até a pele é mais escura do que a minha, a quem todos chamam de nomes feios e depois riem-se. Mas eu gosto dele, é um menino como eu. Dizem que o seu pai é um terrorista, é um homem mau como aqueles que mataram o meu pai, mas o menino, quando olho para ele é igual a mim. Temos a mesma altura, temos olhos, um nariz, uma boca, o cabelo é mais escuro que o meu, tem a pele também mais escura, mas é igualzinho a mim, e eu gosto dele porque não é mau. Brincamos às escondidas, atira bem ao cesto, gosta dos Knicks como eu e adora gelado. E quando o pai dele o vem buscar, sorri para ele, como o meu pai o faz para mim quando chego ao meu quarto. Mas o menino tem algo que eu não e que invejo. O seu pai abraça-o e eu continuo à espera que o meu saia da foto e venha abraçar-me ou mesmo ver os meus jogos de Basket, as peças de teatro que faço na escola, comermos gelado no senhor Burns, junto à minha escola, onde o de chocolate é óptimo.
No outro dia a minha mãe levou-me até aquele muro onde estão as fotos de todos os que morreram com o meu pai, e reparei que nas fotos, todos estão a sorrir, como o meu pai. Nesse dia levei uma flor, branca, muito bonita e coloquei junto à foto do meu pai, onde ele sorri junto a uma árvore, no Central Park, conta a minha mãe. E coloquei, junto com a flor, uma carta que lhe escrevi. 3 Páginas, e todas com a mesma frase… mas não da mesma forma que a senhora Arrows, a professora da escola, nos obriga a fazer quando erramos alguma coisa, mas sim a única frase que me apeteceu escrever ao meu pai, e repeti-la para que ele possa entender-me:
Papá, tenho muitas saudades tuas, apesar de não te conhecer, quero que voltes porque eu amo-te muito.”
in algures numa carta num mural de saudade do 11 de Setembro de 2001.