podes pensar, podes falar, mas tudo o que escrevas tem o poder de ficar.
08 de Julho de 2013

 

 

 

Sempre que procuro escrever sobre a morte, a lágrima escorre pelo coração, fere a alma e seca o pensamento.

Sinto ser a árvore sem folha, o fruto sem semente.

A morte leva-nos o corpo, o cheiro, o toque. E nunca estamos preparados, nunca. Podemos tentar, esforçar-nos a ficar, ali, no canto da sala ou na cama do quarto, a olhar o tempo, aquele mesmo que nos trouxe o corpo, a levá-lo agora, deixando-nos na vista apenas a saudade.

Gostava que a morte fosse um comboio, uma estação onde levava-mos os nossos queridos, podíamos ler-lhes a ultima carta, aconchegar-lhes um farnel para o caminho, abraçá-los e vê-los a sorrir, ainda quentes na pele, ainda de cores e perfumes cuidados. O tempo dava um toque, uma espécie de sirene a assinalar que era chegada a hora do comboio, e eles partiam, tal como nós um dia, com lágrimas é certo, mas eram diferentes. Ficava com a sensação que esse querido ente estaria algures num lugar belo e não no chão da terra húmida. Que poderia ler e reler a minha carta e não mudo e gelado.

A morte podia ser um pouco mais simpática, em especial para quem parte. Quem fica habitua-se. Quem parte fica esquecido num lugar, onde o seu nome se vai perdendo nos dias.

Quero pensar que nunca fui esquecendo quem partiu de mim. Vou conversando com eles, fechando os meus olhos para conseguir abrir os deles, e mostrar-lhes que a vida é apenas uma parte de tudo, como uma janela que liga o interior de nós à dimensão do nosso legado. Deste lado eu toco-lhes, com os dedos e eles retribuem com um sorriso... eu sinto esse sorriso. É tão belo quanto aquele que me ofereciam quando o seu corpo desfilava pelos corredores do meu olhar.

Tudo continua na mesma, digo-lhes baixinho, apenas mudaram os actores, a peça é a igual a todas as outras... no entanto, fica por aí, que o final vai ser sempre diferente.

Espero que um dia a Vida me ouça, e me leve num comboio, simples, sem luxos, de bancos de madeira, mas onde eu possa ver pela janela de vidro fusco, os sorrisos daqueles que fui abraçando e no caminho possa ir lendo as cartas e comendo os petiscos que me trouxeram... ao som e ao balançar de um comboio.

publicado por opoderdapalavra às 23:40
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