Foto retirada do Facebook de Pedro Gonçalves da Nomad.
Caminhei horas. Caminhei pelo fio que aquele ribeiro traçou entre dunas de um deserto perdido. Como eu. Perdido entre o tempo e o destino. Deixei de saber que existe tempo, e deixei de saber se haveria destino.
Caminhei sempre sem norte ou se teria o sul nas costas. Que orientação precisaremos, se nem precisamos a direcção que procuramos? Afinal, bastava-me caminhar, sem necessitar de precisar o rumo.
Caminhei sem querer parar, porque parando poderia perder a sensação de sentir. Passo após passo, os meus pés borbulhavam sentimentos de dor. Sofrer pode-se tornar a única forma de nos sentirmos vivos por aqui.
Caminhei, mas agora precisei mesmo de parar. Porquê?
Porque precisei de olhar. Os olhos trazem-nos a oportunidade de tornar visível o mundo.
As dunas que serpenteiam o horizonte. O ribeiro de água translúcida com os raios do sol. O céu que se pinta de um azul bebé. O sons que adormecem no silêncio. Os cheiros que se misturam no vento.
A minha mochila cai. O meu caderno solta-se, saindo de dentro dela. Com ele um lápis que se amarra a ele, como que namorados em paixão. Palavras. São palavras apenas, aquelas que me apetece escrever. Soltas, seguidas de parágrafos e sem pontuação. Que as folhas consigam abarcar tamanha vontade de descrever a simplicidade de tudo o que olho. Assim, simplesmente presenciando que afinal o parar é deixar de viver e passar a ser vida.
Diferente viver e ser-se vida. Diferente entre sobreviver e saber que se consegue mesmo assim, viver. Difícil descrever estas emoções. Talvez porque é isso mesmo, a simples separação do que podemos sentir e do que realmente conseguimos alcançar.
Já estou deitado. O frio vem acolher o meu corpo. Traz uma manta gélida consigo, e deita-a sobre mim. Sinto-me coberto pela mágica temperatura da noite. Mágica porque impulsiona-me a procurar abrigo. O mesmo onde a chama do fogo dispara sombras no peito dos rochedos.
E lá em cima, as estrelas. Chegaram e nem dei por elas. São tantas que pesam o céu. Deito-me para me defender de tanto céu que se abate sobre a terra. E deixo-me ir pelo sono, e pelo encanto de tantos pontinhos de luz que me acompanham nos sonhos.
E caminho. Noutro mundo, noutros lugares, noutras dimensões.
Adormeço num lugar onde o tempo passou ao lado. Aqui não se conta, não se consegue. Aqui apenas se pode ver e sentir. E fico com a pergunta: se o tempo não existisse, seria assim tão importante saberes quantos anos ainda tens para caminhar?