Afinal quem somos nós?
Afinal que nome poderemos atribuir a esta existência moribunda, onde o princípio da invenção se torna, com o tempo, a consequência da extinção?
Afinal, como podemos pensar ser superiores no pensamento racional, se somos os primeiros a saltar para o abismo, onde o passo em frente é mais do que o simples acto de agir-pensar?
Um dia, um elefante, só e longe da manada, caminhava perante o incerto, esse infinito que deslumbra o horizonte como um medo que assola a mais pura das almas. Deixava para trás, um rasto de pegadas apagadas pelo vento, que soprava suavemente pelo rasteiro da poeira.
Os seus pensamentos abrangiam o tempo, o mesmo que o deteve neste mundo durante anos de rituais, de combates, de procuras, mas um tempo em que sempre fora fiel à sua existência, aos seus semelhantes.
Recorda com romantismo, os momentos em que se banhou naquela lagoa, onde todos os anos, a manada parava para refrescar-se e comer bagas. O olhar pela transparência da água, pelos desenhos das formas das fêmeas que se deliciavam com trombadas de água, pelo corpo, pelas enormes patas.
Recorda com angustia a partida da mãe, a caminho da morte, do tiro que disparado já não regressa atrás, do sangue que escorre pelos olhos, do corte da pele dura, da carne descarnada, do sorriso daqueles que erguiam os dentes de marfim, como prémio. Os homens, a quem chamam de predadores, a quem dizem também defender os seus interesses, os mesmos que sempre foram simples espectadores do espectáculo matreiro do elefante que toca o sino ou do safari em que as camaras se atrapalham em busca da foto mais vistosa… mas são os mesmos que nunca perceberam afinal quem, de facto, são.
Os elefantes nascem e morrem, se os deixarem, sempre no mesmo local. Este elefante, envelhecido, caminha para uma zona fronteiriça, onde o tempo termina e começa o abismo. O sopé da montanha traz-lhe a recordação do momento em que a mãe o aconchegou, pela primeira vez, com a tromba. Saber-se quem é e onde se pertence é como saber-se a razão de tudo e a essência da vida.
Afinal, porque é que vamos percebendo e ficando deslumbrados com os hábitos de todos os outros animais, e menos vamos percebendo a razão da nossa existência?
E o elefante padeceu, junto à mesma pedra onde, um dia algures no tempo, no mesmo percurso sem tempo que sempre habitou a sua mente, no seu relógio biológico, nasceu para um mundo onde a fronteira entre o real e o irreal é apenas o sentido de se saber quem de facto se é.