Quero continuar um louco. Mas não aquele que retira de si a vontade de pôr um ponto final nos outros. Não, esse não. Gostava de ser um daqueles loucos que escapam às mãos terríveis do socialmente idealizado, do politicamente correcto, da visão arrebatadora dos que me olham e desenham em mim um futuro pré-destinado, sem tentarem perceber se será desejo meu construir, de facto, um futuro já escrito à nascença. Não quero. Não quero ser o medico que não sabe como se trata, ou o juiz que não percebe como se julga, ou o engenheiro que nem sonha como se constrói, ou mesmo o jornalista que nem pensa como se dá a noticia. Não quero ser o marido de sorriso nos lábios e murros na casa, nem mesmo o pai que passeia os filhos como autômato estereotipo, ou então aquele empregado bem comportado, lambe botas comum que procura sempre um sim ao superior e um não ao inferior, esperando que a dita promoção nunca consumada, possa um dia, talvez nunca, vir.
Quero continuar o louco que sempre fui, aquele que se desvia dos caminhos comuns, quero correr nu pela quintas e aromatizar os corpos despidos das mulheres que me enfeitiçam, ou da mulher que me ama como o louco que sou. Quero andar em silencio, pelas ruas preenchidas por um barulho ensurdecedor de gritos na escuridão, que apelam à ajuda, ao desespero por um pingo de loucura, à fuga desta sociedade inundada de paradigmas e de tabus. Quero discutir política sem ser político, quero falar sobre sexo sem ser preconceituoso, quero escrever sobre merdas que nunca poderão ser lidas pelos que nunca saberão ser loucos.
Porque a loucura é a ilha misteriosa onde habito os dias, onde encontro o céu azul, onde vejo o sol nascer e deitar-se na simplicidade de um olhar, onde toco as plantas que se reproduzem como árvores sem fim, onde me deito com os animais que respeito. Neste lugar, nesta loucura não sou livre, já nasci livre. São presos todos os outros, porque aqueles que tanto procuram a liberdade, serão eternos prisioneiros dessa busca por algo que nunca os abandonou, apenas foi adormecida pela visão e deturpação maléfica daqueles que, para venderem almas às trevas do pensamento, sugerem que ninguém será livre enquanto o povo não for libertado. Que loucura esta que emprego no meu corpo. Que loucura esta que banha o espírito.
Mas, e agora que deparo com o abismo, penso, afinal, quem será mesmo o louco?
Aquele que procura erguer-se da lama que o amarra, ou aquele que se deixa afundar na bosta que defecou no pensamento?
Serei assim, o louco ou não que se atira pelo penhasco e abraça o vento que vem e me leva pelo infinito dos que sonham um dia... virem a ser loucos, assim, também.