podes pensar, podes falar, mas tudo o que escrevas tem o poder de ficar.
30 de Janeiro de 2012

 

 

 

Quando se entra dentro de um bar, a primeira impressão é o número de pessoas, as gentes que podem estar ai dentro. Olha-se em volta e tenta-se fixar os pormenores, os olhares, as vestes, até mesmo tentar adivinhar, pelo movimento dos lábios, algumas conversas. Depois, vem a disposição do balcão, de tem bancos altos ou então é corrido, as mesas e suas cadeiras, olha-se a decoração e rapidamente se escolhe o lugar preferido. Se está sozinho, uma mesa ao fundo da sala, preferência para a descrição, para a timidez que se esbate no pensamento, o medo do julgamento alheio, dos olhares perdidos. Acompanhado por amigos desejosos por um momento de boa-disposição, o balcão é o ideal, pois a liberdade de movimentos e os pedidos fácies e constantes são o que se procura, e assim se pode controlar todos  os olhares e pessoas interessantes. Acompanhado por uma ou um amante, ora ai, é preferível ficar no lugar mais escuro do bar. E de costas, de preferência, para que ninguém possa soltar algum juízo de valor sobre aquele momento tão intimo… e o que se escolhe? Bebidas quentes, arrojadas no grau alcoolémico, para quebrar de vez todo o tipo de receios que possam ainda existir como barreiras.

Mas ele estava sozinho e não queria nada de discreto, e não foi por não ter amigos que escolheu o balcão. Apenas sentia-se desesperado, como que fugindo de uma vida alheia, escondendo-se num simples pedido:

- Whisky, e sem gelo.

- Preferência?

- Tanto me faz, logo que seja puro.

O copo roçou-lhe nos dedos, e esbateu-se nos lábios, deglutindo num só gole uma quantidade um pouco considerável daquele liquido meio espesso, meio arrepiante, e meio transparente.

- Outro.

Os olhos do barman ficaram embaciados na velocidade do consumo.  Mas depressa serviu mais um, e mais outro e ainda outro. Ao quinto, o homem encostou-se, sentado num dos bancos de balcão, sim, este bar tinha-os, e arrepiou o olhar em volta. O suspiro deixava-o soltar-se, abrir-se de novo ao mundo, desfazendo qualquer obstáculo que o separava dele. Os seus olhos prenderam-se a uma mulher que acabou de entrar. Escultural, de saia folheada, uma pequena camisola de nylon, vermelha, lábios bem pintados, pernas torneadas e bem formadas, linhas desenhadas por um pintor, cabelos soltos, castanho e de certo perfumado. Caminhou até junto do balcão, precisamente onde estava o homem dos whiskys.

- Gin tónico, bem lubrificado.

Hum… a palavra lubrificação soltou um pensamento meio erótico no ar. Ele olhava com a vontade e a desinibição de um desejo vadio, quase mordaz pela saturação sexual que lhe explodia no íntimo. Ela estava impávida, sem notar que quase meio mundo de homens, refiro-me ao mundo do bar claro, a despia naquele mesmo momento. Até mesmo o toque irritante do seu telemóvel não desesperou a safadice momentânea daquele homem que esquecera a bebida.

- Estou? Ah és tu. – Silencio – não, não quero falar mais sobre isso. Já te disse que terminou. Ponto. E não voltamos a falar, ok? Adeus. – e desligou.

- As relações por vezes são tramadas… - ele não aguentou mais, e arriscou tudo naquele momento, esperançado talvez por uma noite de bom sexo, entupido no pensamento libidinoso daquela mulher tremendamente sensual.

- Desculpe?

- As relações… não deixei de escutar a sua conversa ao telemóvel, peço imensa desculpa, mas como estamos tão próximos…

- Ah, isso… pois, são assim mesmo, existem coisas que não podem ser evitadas…

- É… mas diga-me, como é que alguém como você tem problemas? De certo que a cegueira no mundo não deve estar a ser espalhada como um vírus maldito – olha este, será o nosso julgamento imediato, a atirar-se de cabeça e pelos vistos, sem rede.

- Estou apenas à procura de um momento a sós… com a minha bebida… como você, pelo que reparo…

- Como sabe que estou sozinho?

- Bem, intuição, mas direi melhor, constatação, pelo seu ar quase dilacerado pela bebida e pelo olhar para mim… seria melhor limpar a baba que lhe cai do canto direito da boca…

Ele ficou por momentos emperrado na vergonha de pensar que teria mesmo aquela saliva espessa a sair-lhe da boca. Apressou-se a limpar o canto, e notou que afinal não tinha nada. Quando voltou o olhar para ela, esta ria-se, expressando um ar de vitória, quase de atroz êxtase feminino.

- Acreditou mesmo…- continuando a risada.

- Pois foi… cai mesmo. Parabéns. Agora mereço o prémio…

- E qual é?

- O seu nome.

- Para quê? Nomes estorvam, por vezes…

Ele ficou petrificado com as palavras dela. Sentiu aquele arrepio matador subir-lhe pelas costas, atravessar-lhe o crânio, saturar-lhe o cérebro de imagens porno, subir-lhe a temperatura e jogá-lo num ambiente de pura sedução e engate.

- Concordo consigo.

- É? Então, não encontra outra ideia para prémio?

- Hum… deixe-me ver…podia dizer vários, mas tenho receio que possa deixar-me a sós de novo…

- Bem, diz o povo que quem não arrisca… pode não petiscar… - e deu um gole, olhando-o de soslaio e sorrindo maleficamente…

Sentia o pénis ficar erecto, o corpo suava, as mãos deixavam quase escorregar o copo, os pés pareciam viver num inferno, tal o calor que sentia na pele, e os lábios secavam enquanto a desenhava nua, à sua frente, mordendo-lhe as orelhas, depois lambendo-lhe o peito, até se esgueirar para a sua intimidade, forçando-lhe o prazer de um bom broche.

- Devo confessar que por segundos pensei em tudo o que podíamos fazer juntos… longe deste bar…

- Hum… conte-me… gostava de saber o que poderíamos fazer juntos…

- Mas aqui? Não seria melhor o fazermos em privado?

- Talvez… porque não? ... mas sempre podemos começar já aqui…

- Você gosta de jogar, não?

- Porque? Você não gosta?

- Sim, mas só quando saio vencedor… detesto perder…

- Pois então, arrisque… depois logo vê se ganhou, conte-me o que pensava…

- Você, nua – mais um gole, pois a garganta já quase parecia um deserto – a sua língua percorrendo o meu corpo, o meu intimo, eu tocando-lhe a pele  - ela olhava-o com muita insinuação, mordendo a língua, e de seguida molhando os lábios com a mesma – e depois a noite seria nossa, cheia de prazer, de penetração…

A descrição é interrompida com um chamar:

- Maria.

Ela volta-se e olha um homem de forte estatura, músculos trabalhados, olhar profundo de um lutador, que se aproximou e a agarrou, beijando-a nos lábios, com um trocar de salivas intenso.

- Hum, que bom… - respondeu ela após o cumprimento tão intimo. De seguida ela segredou-lhe algo ao ouvido, ele sorriu e caminhou em direcção à porta de saída.

- Tive muito gosto…

- Mas… você estava à espera de alguém afinal?...

- Sim, estava.

- E a nossa conversa, você deixou-me ir tão longe… disse-me para arriscar… e tinha terminado uma relação, mas agora vejo-a com... – e estupidamente apontava para a porta que se fechava de novo, após a saída do lutador.

Ela chegou-se junto ao seu ouvido direito e num sussurro, disse-lhe:

- Sabe, deu-me gozo saber que o excitei, porque assim já vou toda húmida para dar uma valente foda com o meu namorado…  - e depois afastou-se e terminou – como tinha dito, afinal as relações por vezes são complicadas e a nossa foi demasiado, logo à nascença… e já agora, há pouco não terminava nenhuma relação amorosa, mas sim uma relação profissional.

E saiu com o namorado, enquanto o homem ficou em sobras, à sombra da desilusão e de uma erecção perdida… afinal há mesmo relações que se complicam conforme os nossos pensamentos avançam…

publicado por opoderdapalavra às 21:41
25 de Janeiro de 2012

 

 

Deixo-vos uma série de pequenos contos, experiencias sem pensamento nem direcção, espero que gostem, se não, critiquem.

 

 

Sei que o meu corpo, reluzente e emergido daquela caixa de papelão barata, não condiz com a tua descrição para o ideal de copo… da tua vida. Será difícil por vezes perceber o que procuramos. Eu sei que assim que o meu vidro se cruzou com o teu, algo brilhou no cimo desta desarrumação desalinhada, nesta cozinha tão incomum, onde o cheiro intenso a mofo quase me deixa embaciado. Aliás, mas foi assim que fiquei quando senti-te  ser aproximada ao meu perímetro. Sei que um choque entre ambos podia já ser sinal evidente de uma qualquer paixão, mas sei também que tu não és desse tipo de vidraça. És pura, deves ter em ti a areia fina dos deuses, um certo potássio emergente dos sítios onde apenas os afortunados vivem. Sinto em ti o cálcio vindo do norte, sei lá eu onde isso possa mesmo ficar, mas um dia consegui escutar o tilintar de uma conversa apurada de um copo viajante, que falava desse lugar, sitio que me pareceu logo bafejado pela dourada fábrica de vidros e copos do Olimpo. Gostava de saber se tens um nome. O meu é Cristal, sei que são milhares com a mesma identidade, mas eu sou único… pois, talvez já tenhas sido confrontada com tal conversa, cristalina como tu, deves estar habituada a ser cortejada por todo o copo bonito que surge no teu caminho. Sei que sou meio tímido, deixo-me ficar sempre nos fundos do móvel, esperando que uns dedos mais quentes me joguem na luz do dia ou mesmo da casa… mas sou muitas vezes usado apenas para ser preenchido por água e logo me deitam na máquina, para de seguida regressar à escuridão do armário. Tu não, suponho que o teu uso deve ser contínuo, bons vinhos, encorpados, cheios de sabor, repletos de perfumes. Deves ser usada com doçura, pegada pelo teu caule com o carinho e a ternura de dedos experientes. O teu corpo deve ser lavado com a melhor das espumas, sem aditivos que possam deteriorar a tua espessura. Por isso fiquei desde logo apaixonado por ti, assim que trocamos um tlim tlim, que soou pelos cantos mais recônditos da casa. Até a dona ficou corada com tal encontro, ao separar-nos de imediato, com o medo de podermos ficar partidos de amor, afinal quer preservar a nossa relação e não despedaçá-la… em finos pedaços de vidro... ai, agora embaciei.

Confesso que não copo do tipo engate, mas sou vidro de qualidade vadia, daquela que certamente teu belo beiral já avistou milhares de vezes. Bem, chega de conversa seca e vamos é tomar... um copo.

publicado por opoderdapalavra às 00:01
15 de Janeiro de 2012

 

 

 

 

 

meu mar de tormentas em soldo

quero banhar-me em ti como um corvo

asas esguias pelo tardar do anoitecer

assim que chegar o som do meu arrepiar

não fujas de mim como um tordo

quero-te, enfim, em meu corpo de jasmim

que cheiras em todo o teu fim

quando vens com o teu sabor a sal

pisas meus pés de cal,

esses que se desfazem como letras perdidas

naquela folha branca que se rasga com o teu bradar

gritas por mim pelos confins

onde não te ouço

apenas o silencio adormece os meus simples olhos

que deixaram-te ver o que não era segredo

vem até mim, mar atormentado

sem que ondas te possam aliviar

essa dor em que navegas

pois agora seremos amarrados

corpo a corpo, sem que possamos mais fugir

do que foi o destino a corrigir

para assim ficar o mar ameno

sem que mareta venha entardecer o som do adeus.

 

 

 

publicado por opoderdapalavra às 17:54
10 de Janeiro de 2012

 

 

 

 

“Mas quem pode medir o tempo passado, que agora já não existe, ou o tempo futuro, que ainda não existe, se não tiver a coragem de dizer que pode medir o que não existe? Portanto, pode-se perceber medir o tempo que vai passando, mas se já é passado não se consegue medir, porque já não existe.”

Confissões, Livro XI, de Santo Agostinho.

 

Durante toda a sua História, o Homem desejou dominar o tempo, e ao longo desse percurso, o próprio foi-se tornando um escravo natural do tempo. Transformou esta contagem que inventou para o seu percurso na Vida, desde a contagem natural, onde o Sol era o único ponteiro que definia o correr natural dos dias, até ao tempo material, onde a máxima “Tempo é Dinheiro” perdura e determina o andamento da nossa época. Precisamente aquela em que estamos mergulhados numa contagiosa e perigosa crise dos ditos valores humanos. E é deste tempo que quero falar. O nosso Tempo.

Não podemos mudar o que passou, não temos o poder de prever o futuro, mas temos de facto a oportunidade única de transformar o presente, alterá-lo. Estamos todos escravos de um determinado conceito: O Tempo Material. Vivemos para trabalhar, morremos trabalhando.

Não sabemos fazer mais nada, senão estipular previamente objectivos definidos em conceitos pré-estabelecidos: nascer, brincar, aprender, estudar, formar, namorar, emprego, bom emprego, casar, casa, carro, ser ambicioso, filhos, férias, casa de praia, casa melhor, medo de envelhecer, poupar para a reforma, estabelecer metas para os filhos, poder, reforma, contar os tostões, morrer. E já está.

 Poderia não ser necessário dizer mais nada, nem fazer mais nada. Parece um livro já escrito antes de desenhar a primeira palavra. E acima de tudo, numa dinâmica de “Dinheiro traz Poder”, pois é ele que nos dá tudo o que podemos alcançar na Vida, muitos são os que referem que gostavam de conseguir obter, com riquezas materiais, a fonte da juventude, outros tentam fazê-lo com cirurgias, com implantes, com a compra de um novo corpo, de uma nova vida, há aqueles que querem e desejam ter o poder de pararem o tempo, esse mesmo que nunca para… quem pensa assim, poderei afirmar, não que seja sábio e detentor de um poder transcendental, mas digo e afirmo: A Vida não é Dinheiro! O Tempo não é dinheiro!

O dinheiro é apenas um instrumento, como tantos outros, que serve para regular uma série de acções, das quais necessitamos, para conseguirmos viver em sociedade, nada mais. Ele não pode ser visto como a essência da vida, ou mesmo como o que determina a fronteira entre a Vida e a Morte. Ele não é o ponteiro da nossa existência. Ele é apenas, como o disse, um instrumento.

Mas então o que precisamos? Mudar! Precisamos de alterar de novo os valores, abandonar esta parafernália de conceitos materialistas, onde o que importa é a ostentação de puras insignificâncias e depois apenas partilhar quem somos, o que somos e como somos. Aprender que primeiro é o Natural, o Humano, o Animal, o Vegetal, o Universal, e depois, muito para o fim, o Material.

O tempo é um contínuo de 3 fases: o princípio, o meio e o fim. E nada mais.

 

 

“ Para o físico, o tempo vem ao encontro do quê? A apreensão que determina o tempo tem o caracter de mensuração. A mensuração mede quanto tempo e quando, ele mede o de-quando-até-quanto. Um relógio indica o tempo. Um relógio é o sistema físico, junto ao qual os sucessivos estados temporais idênticos constantemente são retomados sob o pressuposto de que este sistema físico não está submetido à mudança através da influência externa. A retomada é cíclica. Cada período tem a duração temporal idêntica. O relógio fornece uma idêntica duração que constantemente se repete, a qual sempre é possível recorrer. A distribuição destes espaços de duração é indiferente. O relógio mede o tempo, na medida em que a extensão da duração de um acontecimento é comparada por idênticas sequências de estados do relógio e, a partir disso, determina numericamente a sua quantidade.”

In “O Conceito do Tempo” de Martin Heidegger

 

Preocupamo-nos em demasia com o tempo físico. O material.

 Ficamos preocupados que ele passa muito depressa, que não temos tempo, desejando que o dia tivesse mais tempo, mais disponibilidade para fazermos mais coisas, como que querendo que o dia, um dia apenas, fosse necessário para resolvermos todas as acções que nos estipulamos fazer. Ficamos a olhar uns ponteiros que se deslocam num tique-taque constante, o calendário onde vamos riscando números que definem os dias, os meses, os anos; vamos olhando um reflexo no espelho, contando os cabelos brancos, as rugas, as peles que perdem elasticidade, a beleza que pensamos perder.

Determinamos tempo para tudo, para o trabalho, para o lazer, para a família, para o descanso, para a alimentarmo-nos, para as férias e para o silêncio...e até para conseguirmos ter Tempo.

 Pensamos ser donos do tempo, pois até pensamos ser capazes de fazer a contagem física do tempo da nossa existência, de alterar o tempo das estações, ajustando a contagem conforme as regiões e as alturas do ano. Seremos nós donos, de facto, do tempo? Ou seremos, como já o disse atrás, escravos de um pensamento que apenas existe nas nossas cabeças? Parem um pouco, agora mesmo, deixem de fazer o que estão a fazer, de ler este texto, de escutar a música que está a tocar, ou desliguem a tv, o radio, e escutem, olhem apenas, neste preciso momento, para tudo o que se passa à vossa volta… o que acontece? Será o tempo físico… ou o Tempo Real? O Presente? E será ele Material? Ou será ele Natural e simplesmente Sensorial, Existencial?

Vivemos divididos entre dois mundos, o passado, tempo perdido, e o futuro, tempo sonhado. Mas de facto, não nos apercebemos, que a Verdade acontece aqui mesmo, neste instante em que lê esta frase, e aqui é que está o Verdadeiro Tempo, aquele que não depende da nossa contagem, relógios ou outra coisa qualquer.

Perdemos tempo a prometer que vamos mudar, que vamos começar a fazer as coisas de diferentes maneiras, a olhar mais para o presente, para as pessoas, para a natureza, para a riqueza, para o que sofre, para o que sorri, para a flor que desabrocha, para a folha que cai. Perdemos tempo a prometer o que não se promete, apenas se faz… ou então se perde tempo a pensar que se pode fazer, e depois, como sempre, não se faz.

Perdemos tempo de vida a pensarmos, a delinearmos tanta coisa, a fazer tantos projectos, tantos caminhos, a pensarmos em tantas recordações, a analisarmos tantos acontecimentos que vivemos… e depois chega o final, e aqui, ficam as questões:

O que importa, agora que aqui chegou? O quanto trabalhou, o quanto produziu, o quanto se preocupou, o quanto viveu? E onde ficaram as pessoas que amava, que o amavam? E onde ficaram todos aqueles momentos que gostava de ter vivido? E onde ficaram todos os desejos, todas as vontades? E onde ficaram as partilhas, o dar, oferecer, o ajudar?... E o dinheiro, afinal ele sempre compensou este seu tempo? Afinal, valeu a pena o seu Tempo?

E Afinal, de quem é o Tempo?

 

“Não faça planos para a Vida, para não atrapalhar os planos que a Vida tem para si”

Agostinho da Silva.

 

“ O Relógio

 

Relógio, deus sinistro, alarmante, impassível,

Dedo ameaçadora dizer: Lembra-te bem!

As dores vivas para o teu coração vêm

E logo acertarão com mira infalível;

 

Como ninfa subindo ao fundo do cenário,

Foge para o horizonte o Prazer vagaroso;

Cada instante devora a tua parte do prazer

Que cabe a cada um no seu itinerário.

 

Três mil seiscentas vezes por hora, o segundo

Sussurra: Lembra-te bem!- indo embora depressa,

Voz de incesto, Agora fala: sou Outrora

E suguei a tua vida com o meu bico imundo!

 

Remember! Souviens-toi! Lembra-te bem, sumidouro!

(A minha garganta de metal é poliglota)

Os minutos são a ganga, mortal idiota,

Que não deves largar sem extrair o ouro!

 

O tempo, lembra-te bem, joga com teimosia,

Ganha sem trapacear, toda a vez! Ámen.

O dia cai; a noite aumenta; lembra-te bem!

O abismo tem sede, a ampulheta esvazia.

 

Logo virá a hora em que o Acaso, e mais

A Virtude, esta virgem casada contigo,

O próprio Remorso (ah! O ultimo abrigo)

Em que tudo dirá: Morre! Tarde Demais!”

In Flores do Mal, Charles Baudelaire

 

publicado por opoderdapalavra às 23:05
05 de Janeiro de 2012

 

 

 

 

 

Estes últimos dias tem sido profícuos em comentários. Foram à mensagem do Presidente, foram à mensagem do PM, foram à transferência da Jerónimo Martins para a sua Holding na Holanda. Chego cada vez mais à conclusão que neste pais não se trabalha, opina-se. Vejo opinar por duas razões, tudo e nada. Mas gostava de me centrar numa ideia que ficou destes opinares, a de anti-patriotismo. E tudo sobre a Jerónimo Martins. Em primeiro gostava de transcrever parte de um editorial do Jornal de Negócios, que explica a atitude:

“A decisão da família Soares dos Santos pode ser criticada mas não pelas razões que ontem se ouviu. A Jerónimo Martins não vai pagar menos impostos. E a família que a controla também não - até porque já pagava poucos. Uma empresa tem lucro e paga IRC; depois distribui lucro pelos accionistas, que pagam IRC (se forem empresas) ou IRS (se forem particulares). Neste caso, a Jerónimo continua a pagar o mesmo IRC em Portugal (e na Polónia); o seu accionista de controlo, a "holding" da família Soares dos Santos, transferiu-se para a Holanda. Por ter mais de 10% da Jerónimo, essa "holding" não pagava cá imposto sobre os dividendos e continuará a não pagar lá. Já quando essa "holding" paga aos membros da família, cada um pagaria 25% de IRS cá - e pagará 25% lá. Com uma diferença: 10% são para a Holanda, 15% para Portugal. Porque tomou a família uma decisão que, sendo neutra para si, prejudica o Estado português? Pela estabilidade e eficácia fiscal de lá, que bate a portuguesa. Pelo acesso a financiamento, impossível cá. E porque a família tem planos de crescimento que não incluem Portugal. “

E ainda incluo mais umas palavras do senhor Alexandre Soares dos Santos, a quando de uma entrevista sobre Portugal à Fátima Campos Ferreira, em 2011:

“ ASS: Oitenta por cento dos nossos fornecedores são nacionais. Só importamos 20 por cento, produtos como o bacalhau, salmão fresco, vitelão, fruta e atum.

FCF: Fruta, temos cá.

ASS: Não, não há. Não temos manga nem outras frutas exóticas que as pessoas querem encontrar quando vão ao supermercado. Não somos como os polacos, que, em 1994, quando abrimos a primeira loja, não sabiam que existiam bananas. Só encontravam maçãs e laranjas por altura do Natal, que iam de Cuba. Não sabiam que existiam outros frutos. (...)

FCF: Na medida em que baixa os preços. Na zona do Mondego, o arroz está muito abandonado porque o arroz asiático é muito mais barato.

ASS: Não sei dizer se importamos arroz asiático. Nós compramos onde há qualidade, preço e entrega. Quando vai fazer as suas compras diárias ou semanais, obviamente quer comprar aquilo que lhe apetece e não o que lhe dão. Tem de existir possibilidade de escolha na loja, e compete aos produtores portugueses trabalharem e organizarem-se para terem esses produtos. Por que razão havemos de importar cordeiro da Irlanda? Ao encomendar um determinado número de peças, tamanho e acordando um preço com a Irlanda, tudo corre conforme combinado. Em Portugal, nunca sabemos quando nem se os portugueses vão entregar a encomenda. Em relação ao cordeiro, já me disse um produtor que as entregas dependem da vontade de trabalhar dos matadores municipais. O problema é que levamos as coisas a brincar. Exportar não é ter um produto e enviá-lo para fora, é preciso adaptá-lo ao cliente. Na Polónia, vendemos 3 milhões de garrafas de vinho português, mas é vinho que está a ser desenvolvido em função do paladar dos polacos. O fornecedor, que é da zona de Sangalhos, teve de estudar a sério como era o vinho barato romeno que o polaco bebia, para fazer igual. Produziu-o melhor e vende-o.” Ora, em primeiro lugar, este assunto veio mais uma vez confirmar que temos demasiados moralistas, iluminados e pessoas que não sabem de facto fazer mais nada senão serem o gene vivo do velho do Restelo. Em segundo lugar, fiquei espantado com as criticas a uma transferência que não é virgem, pois SONAE, EDP, Brisa e outros tantos já o fizeram, e para a Holanda também. E ainda não vi ninguém a dizer que vai deixar de ir ao Continente, de deixar de utilizar electricidade, ou mesmo de andar nas Auto-estradas... e os senhores destes grupos também já foram moralistas com o Estado. Depois vem a questão do patriotismo...bem, aqui é que me desmancho completamente. Que idiotice.

Onde está o patriotismo daqueles que preferiram irem para a praia em vez de irem votar? Votar nos momentos mais difíceis do pais, naqueles em que de facto é preciso manifestar a sua vontade de mudar, de alterar, e preferem olhar para o lado, e absterem-se?

Onde está o patriotismo dos que defendem tanto os produtos nacionais, mas também compram produtos de outros países, como toda a gente o faz?

Onde está o patriotismo daqueles que sempre preferiram passar férias no estrangeiro, mas são os primeiros a defenderem que “O que é Nacional é que é bom”?

Onde está o patriotismo dos que se fartam de comprar autores, escritores e revistas estrangeiras em vez de privilegiarem o que é português, e instigarem as editoras a arriscarem mais no que é português?

Onde está o patriotismo dos que defendem acerrimamente o novo acordo ortográfico, que vem decapitar por completo a Língua que é de Camões e Pessoa? Onde está o patriotismo dos que continuam a dar voz às pessoas que levaram este pais à ruína, levaram uma cultura ao descalabro?

Onde está o patriotismo daqueles que nem sabem de facto o que o 5 de Outubro representa, e ainda pensam que o 10 de Junho é de facto o Dia em que Portugal nasceu?

Aqueles que ignoram a sua história, as suas tradições, os seus valores?

Onde está o patriotismo daqueles que não respeitam os impostos dos outros e que só pensam em reivindicar direitos?

Onde está o patriotismo dos que se encheram de materialismos, quando havia muito dinheiro, e que se riam dos que avisavam ( como o senhor Soares dos Santos) que um dia as coisas podiam ser arrastadas para o “deserto”?

Vou-vos apenas esclarecer dois pontos importantes sobre o senhor Soares dos Santos, quanto à sua intervenção na sociedade portuguesa, e que ninguém lembra. A Fundação Francisco Manuel dos Santos editou uma série de livros, ensaios sobre os vários sectores da sociedade, desde a educação à justiça, passando pela filosofia, jornalismo, politica, cidadania, etc. Estes livros, magníficos, foram vendidos a 5 euros nos Pingo Doce, na Fnac e outras livrarias. Alguém notou? Se sim, ainda bem. Mas mais, a Fundação editou uma nova revista, publicação, que dá pelo nome de “XXI, ter opinião”, que visa discutir todo o tipo de assuntos relevantes da actualidade, e é anual. E ainda incluo o conceito da Fundação: “ A Fundação tem como missão estudar, divulgar e debater a realidade portuguesa. Com liberdade e independência.”

Este senhor, aquele que agora criticam e até querem boicotar a ida ao Pingo Doce, como se alguma vez foram obrigados a fazê-lo, mas eu dizia, este senhor já fez mais pela discussão real do que é o pais, do que pode e deve ser feito, já foi mais patriótico, do que a maioria daqueles que apregoam o contrario, que se mantém na sombra da critica gratuita, do opinar desmesurado e da enorme falta de ideias e de deveres, porque direitos eles pensam ter... mas serão eles patrióticos?

Eu não sou advogado do senhor Soares dos Santos, nem lhe revejo a perfeição, nem ele precisa de mim. Não vivo para defender os empresários, o capitalismo ou outra coisa qualquer, esquerdas ou direitas, tortas ou rectilíneas... e também aqui assumo que não me agrada este tipo de situações ( transferência do capital para a Holding Holandesa), ou os salários baixos que por vezes estes patrões pagam, mas a realidade é esta, e é este o pais em que vivemos e deixamos ser construído.

Mas sou um acérrimo defensor da alguns valores essenciais ao equilíbrio e à mínima inteligência humana: A Racionalidade; A honestidade de pensamento; a Humildade de filosofia; a Justiça de atitude; a Dignidade de existência. Sou a favor da seriedade nas discussões, sou a favor da Verdade e Transparência, sejam eles patrões ou empregados, mas que sejam Transparentes. Sou Utópico? Se for assim, Sou, mas sem Medo!

Portugal precisa de mais. Portugal precisa de criar uma consciência, de construir na sociedade uma nova filosofia, um conceito de mudança, aquele que poderá mudar o regime, aquele que poderá redefinir esta constituição obsoleta e que trás cada vez mais a desconfiança, a injustiça e os desequilíbrios. Deixem-se de discutir fóruns que apenas querem audiências, deixem-se de ir atrás da critica fácil e procurem saber e ler o que pode de facto estar a trás das palavras garrafais, queiram intervir e discutirem baseados no conceito da mudança, da criação de uma nova e verdadeira consciência. E sobre consciência, termino com as palavras deliciosas de um ex-padre Jesuíta, espanhol, que aborda precisamente o mundo actual, o social, o religioso e o Humano:

“ É uma questão de poder. (...) Estar perto dos que tem dinheiro dá poder. E também o controlo da sexualidade, da afectividade e da emotividade, dá poder.”

publicado por opoderdapalavra às 01:25
04 de Janeiro de 2012

 

 

E chega mais um ano. Este será recheado de acontecimentos. Desde a austeridade, passando pelas contestações, até mesmo às teorias do fim do mundo. Vai haver de tudo um pouco durante este ano. As televisões vão estar a trabalhar 24 sob 24 horas, assim como os jornais e revistas, pois o sangue está derramado, e há que o filmar, escrever ou fotografar, in loco, sem preconceitos e sem pudores. O povo quer, o povo terá, a desgraça estará na rua, o vazio no pensamento. Mas entramos num ano de oportunidades. A principal é a da reflexão. A segunda da mudança. A terceira é a da partilha. É tempo de reflectir sobre a situação a que chegamos. Saturamos a nossa existência com o tempo material. “Tempo é dinheiro” é o lema dos tempos modernos, onde o material, o abismo da procura incessante de construção da imagem exterior é uma espiral vazia de conceitos humanistas, deteriorando o pensamento, a filos , a gnose. O cifrão é a identificação de cada um, se não tiveres a sorte de valeres algo, logo não existes. É tempo de mudar, alterar a rota, o caminho. É preciso olhar para dentro, ver o poço de cada um e escavar, procurando a água que o vai preencher de facto. As respostas estão todas dentro de cada um. Ai, sim, a riqueza, onde a pureza da essência humanista de cada um pode revelar, de facto, o que podemos valer, o que podemos fazer e como podemos faze-lo. Ai começa a mudança do mundo, primeiro, com a mudança do mundo de cada um. É tempo de partilhar essa mudança, essa nova visão, esse novo caminho. As respostas que encontramos dentro de nós, deverão ser partilhadas com o universo, com o todo, para que juntos possamos transformar o presente, e assim, definitivamente, construir um futuro digno de todo o universo. É tempo de deixarmos entrar a voz do coração e abandonarmos a voz da ganância, do poder, do egoísmo. Se não fizermos algo, quem não despertar, vai afundar-se ainda mais no seu próprio vazio... e só não acorda quem não quer... a crise, as cinzas são sempre a melhor oportunidade para crescer, para aprender, para construir e transformar. Muito se fez nos pós-guerras... bem, acho que estamos numa situação idêntica, só que desta vez a guerra deu-se e nós nem sentimos as balas... mas elas abriram imensas feridas, algumas são difíceis de sarar... agora é tempo de nos erguermos e voltarmos a andar. A guerra foi a Grande Guerra do Vazio... dentro de cada um, do esvaziar de conceitos, idéias, filosofias humanistas e existenciais. Caímos para nos podermos erguer. Bom 2012... Bom Despertar.

publicado por opoderdapalavra às 00:03
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