Portugal. José Gil escreveu, num belo livro - Portugal Hoje, o medo de existir -:
“ É a vida (...) É a vida, pois. Que mais quereis? É a vida lá fora, não há nada a fazer, é assim, vivei a vossa paz e serenidade, não há nada a temer, é lá longe que tudo acontece, no entanto, estou aqui eu para vo-lo mostrar inteiro, o mundo, ide, ide às vossas ocupações que a vida continua.(...) Estamos fora da vida, dentro dela:”é a vida!...” É esta mistura confusa de transcendência-imanência da nossa vida à Vida que provoca um nevoeiro no espírito.”
Pois. Este pequeno excerto, muito bom, demonstra o intimo da nossa sociedade. Fico cada vez mais estupefacto ( adjectivo muito em moda hoje em dia) com a resignação das pessoas. Todas criticam, todas dizem que discordam do panorama actual do nosso pais, todas apontam o dedo, mas quando lhes é pedido para actuarem, apresentarem soluções, refugiam-se na velha demanda nacional “É a Vida.”... lá fora as coisas também não andam melhor... bem, o meu vizinho até pode estar com um problema conjugal, mas isso não implica que eu agonize o meu. Um pais é constituído pelo todo, onde se incluem todas as pessoas que tem a mesma nacionalidade. Sejamos sensatos a aceitar de uma vez por todas a nossa condição: somos Portugueses. Ponto. Agora, para isso também sejamos racionais e corajosos a assumirmos as nossas responsabilidades como cidadãos. Não basta criticar, não basta resignar, não basta desculpar, há que actuar, procurar, discutir, apresentar, lutar, intervir.
Estamos a viver um período muito difícil a todos os níveis. Económico. Social. Formação. Cultura. É preciso reflectir. É preciso agir.
Há uns dias, enquanto visitava o local onde decorreu a celebre Batalha de Aljubarrota, pensava nos milhões de portugueses anónimos, que ao longo da nossa história, já morreram em defesa deste mesmo pais onde vivemos hoje. E a eles não podemos simplesmente dizer que esta crise “é a vida”, pois eles nunca compreenderiam porque derramaram o seu sangue em defesa de um pais já destinado a fracassar. Não. Eles lutaram, acreditaram que seria sempre possível tornar este pais melhor, uma nação livre, um estado culturalmente forte. E eu pergunto, perante a actualidade, seremos dignos desse sacrifício? Seremos o legado dos que lutaram naquele 14 de Agosto de 1385, em busca de uma independência que nos tornou de novo uma nação única e que viríamos anos mais tarde a dividir o mundo com os espanhóis? Ou seremos apenas um legado pobre dos que ficaram sempre em terra nos descobrimentos (como cantou Camões no Velho do Restelo), os que se recusaram sempre a lutar pela independência, os que se esconderam das batalhas com Castela pela fundação do Condado, ou os que fugiram para não quererem fazer parte de uma luta, que teimam não ser a deles?
Quem somos afinal, hoje?
Tenho assistido, nos últimos tempos, a um desligar completo da realidade e das responsabilidades cívicas, de muitos cidadãos portugueses. Não querem saber, não querem participar, não desejam que a solução passe por eles, etc... mas... pois existe sempre a terrível palavra “mas”... se por um acaso, este pais voltar a encontrar um rumo, um caminho em que possamos sair deste marasmo sócio-cultural e politico em que estamos naufragados, esses mesmos, desligados, voltaram a reclamar os seus direitos, as suas responsabilidades no volte-face? Pergunto a todos, o que querem afinal para o vosso pais? Kennedy teve a brilhante frase “ Não perguntem o que o vosso pais pode fazer por vós, perguntem-se a vós próprios, o que podem fazer pelo vosso pais”, pois então eu pergunto, o que podem vocês fazer por este pais?
Um dia li, num pequeno conto chinês, que quando chega a altura da sementeira, poucos são os que estragam as mãos a lançarem as sementes na terra, a tapa-la e regá-la... mas muitos são os que vem a correr para colherem o fruto dessa sementeira. Este conto é um dado importante, que retrata o que é a sociedade portuguesa, a republicana sociedade portuguesa.
Chegamos à crise. “É a vida”, não é? Lá fora as coisas também não andam muito melhor. Hoje li, no jornal Publico, que os Juros da divida publica portuguesa vão atingir o valor mais alto desde a adesão ao euro. Será esta noticia, estes dados preocupantes, apenas a “Vida”? Nos últimos dias tem-se discutido imenso sobre as obras publicas, sobre os prémios dos gestores públicos, sobre as despesas publicas. Meus caros, primeiro o pais não pode parar à espera que um qualquer Milagre venha bater à porta na nossa fronteira e diga: “Saiu o Euro milhões a este pais”, e todos ficamos contentes. Isso nunca vai acontecer. Agora, precisamos urgentemente de mudar. Precisamos de medidas, mas sérias. Há poucos dias foi noticiado que a Espanha vai fechar algumas empresas publicas, extinguir vários cargos de gestão publica e mexer nas despesas do Estado, incluindo os políticos. Ora aqui estão medidas sérias e concretas. Ou seja, as ideias para combater a crise começam de cima para baixo, e não como fazemos em Portugal, que começa de baixo, passa pelo meio, mas nunca chega ao cimo. Todos os que estão no meio politico, nos meandros da politica nacional, ora como deputados, ora como gestores de empresas publicas, não chegam nunca a definir cortes nas suas despesas. Logo, pergunto, porquê? Ora, mas não podemos esquecer que somos nós, o todo, os que ficam no anonimato, como todos os que perderam a vida pela pátria, que os escolhemos, que definimos quem toma as decisões por nós. Mas continuamos a escolher os mesmos, as mesmas ideias. E incluo neste “mesmos”, os outros que são eleitos, mesmo que por partidos mais pequenos ( BE, CDS, PCP,etc). Todos eles tem feito parte do aglomerado politico que reina neste nosso Portugal desde o 25 de Abril.
Nós precisamos de parar e reflectir se é isto o que desejamos. Precisamos de pensar como podemos participar, como podemos ser escutados. Porque se uma voz é apenas um sopro, muitas podem começar a ser a voz que se ouve. Não fiquem parados, escrevam, falem, passem a palavra, participem. Mas, seriamente, porque de criticas está este pais cheio, basta ver os debates na Assembleia. Precisamos de ideias, mas das boas.
Quanto ao que pode mudar para sairmos da crise? Não existem formulas mágicas, tenhamos essa consciência. Precisamos de uma verdadeira revolução. Precisamos de readquirir valores sólidos. Tudo começa na educação. As escolas não podem ser simples locais de educação, pois ela deve começar nas nossas casas. As escolas tem de ser os centros de formação académica, cívica. Temos de exigir, para nos tornarmos mais fortes. Exigir não pode ser confundido com austeridade, mas sim com rigor. Não podemos contribuir para a criação de uma sociedade de vícios. Temos de mostrar que a história é a raiz da árvore, o tronco são os valores pela qual se rege o pais, os galhos são as variantes filosóficas do pensamento nacional, as folhas o fruto da conjugação de fortes raízes com um sólido tronco e filosofias capazes de instruir e desenvolver o pais. Esta árvore tem de ser regada com a educação que transmitimos em nossas casas. Eu não aprendi que uma pessoa de 60 anos é um “velho”, mas sim que é um “Sábio”, porque já viveu algo que eu nunca vivi. Temos de saber os princípios básicos do respeito. A liberdade não é fazer tudo o que nos vai na cabeça. A liberdade é o estado de sabermos que as nossas fronteiras começam e acabam onde começam e acabam as fronteiras do nosso próximo. Isso é liberdade.
Precisamos de aprender também o que significa liderança. Ela não é feita de poder. Ela não é feita de autoridade. A liderança é feita de sabedoria. A sabedoria de fazer acreditar os seguidores de que um certo objectivo é possível ser atingido, ser concretizado. Mas fazê-lo de uma forma séria, livre, respeitando todos os participantes directos. Tivemos muitos lideres, e volto a um em especifico, D. Nuno Alvares Pereira, O Condestável. Ele fez acreditar, baseado numa estratégia militar exemplar, que mesmo em menor numero, poderiam derrotar os inúmeros exércitos de D. João de Castela. Fez acreditar. Liderou. Eu sei, falta-nos hoje um Santo Condestável. Mas recordo-vos algo importante... nós somos descendentes dele. Ele fê-lo para que todos nós hoje, podemos dizer, somos portugueses. Vale-nos de algumas coisa? A resposta está em nós, não no que ele fez.
(Continua).