Ingrid não apareceu na política – irrompeu. Em meados dos anos 90, quando pedia a palavra no Capitólio era para cortar a direito. Um jornalista irá compará-la sete anos depois à pasionaria (Dolores Ibarruri). Falava sem pausas, quase sem respirar e apontava a dedo os pares suspeitos de corrupção. Abria caminho à catanada entre gente que andava entre a política e o tráfico, ou de influências ou de droga.
Claro, não ganhou muitos amigos, como escreverá em Raiva no Coração (Rage ao Couer, XO Editions, Paris, publicada entre nós pela Terramar). Um dia de Dezembro de 1996, estava Ernesto Samper no poder e ela no seu gabinete de deputada, um homem entrou de repente, disse-lhe para se sentar e não teve meias palavras: “É preciso que saiba que está em perigo, que a sua família está em perigo. Falo em nome de pessoas que já tomaram uma decisão sobre si. Aconselham-na a partir pois a decisão está tomada. Para ser mais preciso consigo, doutora; já pagámos a sicários.” O sicários são pistoleiros.
Ingrid empalideceu mas reagiu. Pôs os filhos, Mélanie e Lorenzo, então com 11 e sete anos, em casa do pai, um diplomata francês, Fabrice Delloye, em Auckland, Austrália. Escapou depois a um atentado a tiro. Mas continuou a dizer o que achava de quem achava.
“Chegados a este ponto, vão matar-me também? A minha relação com a morte é a mesma do equilibrista: temos ambos uma actividade perigosa, avaliamos os riscos, mas o nosso amor à perfeição supera invariavelmente o medo. Amo apaixonadamente a vida, não estou pronta a morrer. Tudo o que construí na Colômbia foi também para poder ter a felicidade de envelhecer nela, para ter o direito de aí viver, sem recear por todos os que amo”, escreverá.
Tinha crescido assim. “Tinha um carácter muito forte”, disse a mãe, Yolanda Pulecio, ao PÚBLICO numa entrevista no ano passado.
O sentido de humor era outra das suas armas. Na campanha para as presidenciais de 2002, que viriam a ser ganhas por Alvaro Uribe, ainda no poder, andou pelas ruas de Bogotá a distribuir às pessoas preservativos para se protegerem da “corrupção” e caixinhas de Viagra aos homens pedindo-lhes para se levantarem contra os esquemas e a opacidade.
Foi um dos seus últimos actos políticos antes de perder a liberdade, no dia 23 de Fevereiro de 2002. Aconselhada a não ir a San Vicente del Caguán, para se encontrar com eleitores, ultrapassou, como o equilibrista, o medo, mas não pesou os riscos. “Prometeram-lhe um helicóptero mas não cumpriam”, contou Yolanda. Foi num jipe, com a secretária Clara Rojas, e acabou nas mãos das Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (FARC), a guerrilha comunista, de que era muito crítica, para um cativeiro de 71 meses.
Os raptos na Colômbia são uma indústria, um estilo de vida. Existem 4200 pessoas nas mãos da guerrilha, das FARC, do Exército de Libertação Nacional (guevarista) ou de bandos de criminosos, de acordo com o programa Voces del Secuestro, da Radio Caracol. Destes, os políticos, os militares ou os polícias são o grupo mais importante pelo seu valor de troca. Mas depressa Ingrid se tornou a refém mais destacada, símbolo de um país sequestrado. O jornalista que a comparou à pasionaria chamou-lhe também a “Joana d’Arc” colombiana.
“Amo a Colômbia ao ponto de ter feito as escolhas mais dolorosas para ter o direito de viver nela”, escreveu no seu livro de raiva.
Quatro dias depois do rapto, a guerrilha propôs uma troca de prisioneiros ao Governo. Mas a iniciativa nunca andaria para a frente, condenada a um jogo do gato e do rato, ao mesmo tempo que Ingrid se entranhava mais e mais na selva e se sabia cada vez menos dela. Apareceu num registo de vídeo no dia 23 de Julho de 2002 e noutro em 30 de Agosto do ano seguinte, e depois só no de 30 de Novembro, segundo as autoridades tomado em Outubro, aqui com um aspecto lastimável, magra, triste, de olhos, quase resignados, pregados no chão.
“Estou fisicamente mal. Não voltei a comer, fiquei sem apetite, o cabelo cai-me em grandes quantidades. Este é um momento muito duro para mim (…)” – escreveu na carta à mãe que acompanhou o registo e comoveu o mundo. ""